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O Presente que Faz Mães Felizes

A romantização da figura materna põe muita pressão nas mães.

O dia da mãe vem com um desfile de “mãe é Deus”, “Mãe é o amor maior do mundo” , “mãe devia ser eterna” , “Rainha” , títulos lindos mas cheios de responsabilidade e pressão. Por mais que digamos todas essas coisas para enaltecer as nossas mães ao mesmo tempo também pomos demasiadas expectativas na perfeição e assertividade que esses seres têm que ser e ter perante as suas famílias, filhos e sociedades.







Transferimos muitos erros do humano criança ou adolescente para a mãe quando dizemos “não tem educação”. E muito erro crasso do ser humano adulto é transferido também para a mãe quando dizemos aquela expressão horrorosa “filho da p…” ou a sua versão mais leve “filho da mãe”. Não nos lembramos sequer que o erro é parte do processo de aprendizado da vida que também educa e dizemos essas coisas sem conhecermos essa mãe, sem sabermos como foi a maternidade dela, sem sabermos por que desafios passou, e também muitas vezes sem sabermos das circunstâncias da vida dessa pessoa que cometeu o erro, sem sabermos do carácter dessa pessoa que cometeu o erro, sem sabermos o que o levou a ter tal comportamento.


Esses ditos populares, tanto os que enaltecem as mães aos mais altos títulos universais como os que as enlameiam na sua maternidade, não têm um meio termo. Ou 8 ou 80 e fazem as mães sentirem que têm que estar constantemente, a vida toda, na sua melhor performance, atentas a todos os seus movimentos, comportamentos – porque também quando se é mãe é suposto passar a comportar-se de forma exemplar, que na maior parte das vezes é uma forma completamente abnegada de si mesma, altruísta e atenta, pondo todos à frente menos ela -, ensinamentos e atentas a como os seus filhos se comportam perante a sociedade, porque um mau comportamento deles se reflete na maternidade delas e as desonra, envergonha e define a sua maternidade como falhada perante os outros.


É uma vida em alta pressão, e é sobre isso, sobre mãe ser um ser humano.

Um ser humano ao qual se põe tanta expectativa ao ponto de a endeusar, no entanto ela continua sendo um ser humano. Qual é o nível de ansiedade e stress que vive esse ser humano para o resto da vida?


E quanto mais adversas forem as condições de vida à volta dessa mãe maior pressão ela terá. Quanto menor for o sistema de suporte dela, maior pressão ela terá. Mas ninguém se vai lembrar disso porque “mãe é Deus”, e Deus faz tudo e ninguém nunca ouviu Deus pedir descanso. Deus pode tudo, e faz tudo bem, a todas as horas, em todos os lugares.


A seguir a todo esse endeusamento e pressão vamos ver mães desgastadas, mães com crises de ansiedade, mães que sofrem esgotamentos, mães que têm explosões que achamos desnecessárias e infundadas, mães com reações agressivas e irritadiças que os parceiros e filhos não entendem de onde vêm. Mas pessoas que têm que ter sempre em mente que a forma como os seus filhos se apresentam vestidos na escola é responsabilidade dela, o que os filhos dizem é responsabilidade dela, os horários bem cumpridos das refeições são responsabilidade dela, as refeições de família bem servidas com tudo o que tem dentro desde loiça até tempero e se falta gindungo ou não, é responsabilidade dela, se o filho adoece é responsabilidade dela, se o filho bebé ao explorar o mundo para aprender a andar cai e se magoa, é responsabilidade dela, o que está dentro do controle dela e o que está fora do controle dela é taxado por nós sociedade como responsabilidade dela. E ela tenta controlar tudo e dar resposta imediata a tudo, corrigir tudo, exigindo demais de si mesma e dos outros que estão à sua volta, principalmente dos filhos e maridos.


Então vemos relações familiares tensas. Maridos que não aguentam mais com as cobranças que as suas mulheres fazem e filhos que se sentem sufocados porque as mães querem controlar toda a sua vida, desde a infância até à vida adulta. De tanta vigilância constante essa mãe acaba deixando-se a si mesma para trás e a entrar num ciclo vicioso de controle. Os seus filhos e a imagem da sua família ficam o seu foco e prioridade, pois a mulher sábia é aquela que edifica o seu lar, e ela fica para trás. Se esquece de si mesma.


Quando tive o meu filho ouvi algumas vezes de enfermeiras do hospital pediátrico “mãe feliz, bebé feliz”. Parece impossível a mãe se dedicar a nutrir a sua felicidade com tanto trabalho que tem para fazer, e o Dia da Mãe este ano ter calhado no Dia do Trabalhador coroa bem o que eu acredito que a maternidade é: trabalho grande!


Trabalho 24 sobre 24 horas, para toda a vida. Pela natureza do que é criar seres humanos, mas também por toda a pressão que o endeusamento de mães nos traz. O trabalho de criar um ser humano quadruplica com essa pressão, e por mais que nos repitam “mãe feliz, bebé feliz” pensamos para nós mesmas que quem nos diz isso quer ser simpático, mas deve estar a delirar.


Já durante a gravidez o cérebro da mulher muda para que ela seja uma máquina humana de constante disponibilidade e atenção. A nossas hormonas fazem com que aumente a nossa atividade cerebral em áreas que controlam a empatia a ansiedade e a interação social, e daí vêm todas as sensações e reações de imenso amor, superproteção e preocupação constante que lhe vão durar o resto da vida em relação à quela criança.


A amígdala cerebral, um conjunto de neurónios responsável por respostas emocionais relativas ao comportamento social de humanos e mamíferos, é uma das principais áreas do controle da agressividade, ansiedade e medo é das áreas que mais regista aumento de atividade cerebral com a maternidade. Acredita-se que este crescimento está correlacionado com a forma como uma mãe se comporta: uma amígdala com maior atividade vai tornar uma mãe hipersensível às necessidades do seu filho.


Biologicamente isto é necessário para que em conjunto com um cocktail de hormonas se crie uma resposta positiva que motiva a mulher a ter comportamentos maternais para cuidar das necessidades de sobrevivência do ser humano que é seu filho.


Estudados os seus cérebros, as mães recentes demonstram um alto nível de preocupação por coisas que não podem controlar, e o aumento de atividade cerebral em zonas que controlam e regulam as emoções relacionadas com empatia e motivação maternal podem estar altamente relacionadas com um comportamento obsessivo compulsivo.


Biologicamente o nosso cérebro age de forma a aumentar o nosso nível de vigilância.
Socialmente adicionam-se as expectativas que aumentam a pressão da mãe humana.

E ela se vê obrigada a se deixar de lado para cuidar dos seus, simplesmente não há tempo para si, nem ela é prioridade. E vai carregar essa perda de si mesma, esse luto de grande parte dela para o resto da vida, por mais que o faça sorrindo…. É trabalho!


É outro trabalho ainda quando ela percebe tudo isso e diz “não. Eu vou sim ser uma mulher feliz e realizada, vou ser mãe, porque quero, mas também vou ser eu mesma”. O que eu acredito que toda a mulher tem direito.


Mas é trabalho! Trabalho mental para ela se lembrar que tem que criar espaço e tempo para si mesma. Trabalho emocional para desapegar de forma saudável dos seus filhos, e estimulá-los a serem autónomos e desapegados dela, e compreender que os filhos são do mundo, nós só os trazemos, nutrimos, capacitamos e orientamos, mas precisamos deixá-los experienciar a sua existência. Trabalho para encontrar o equilíbrio entre se priorizar e ao mesmo tempo cuidar dos seus. Trabalho para entender que ela é como um copo, que vazio é um copo esgotado, transbordante é aquele que tem para si e tem para dar, e encontrar formas de ser um copo transbordante. Trabalho para ter recursos de construir uma rede de suporte que a ajude a cuidar dos seus e de si mesma…. São muitos trabalhos.

Viver numa sociedade que é de exploração do ser humano e não tem em conta as necessidades das mulheres e das crianças não ajuda, porque quase não nos permite ajudar-nos uns aos outros nesta tarefa que é a de criar seres humanos, que na verdade é colectiva.


Lembro-me de a minha avó queixar-se que “ninguém mais quer estar com os velhos… As pessoas agora só querem saber de estudar e trabalhar e cuidar das suas vidas.” Quem diz velhos diz crianças, diz mães… Todos estamos ocupados cuidando das nossas vidas, tem que ser assim.


Um ser humano cresce limitado se só tem uma visão do mundo que lhe é passada pela sua mãe ou pelos seus progenitores. E é injusto para esse ser humano em situações de conflito com os seus progenitores ser unicamente mediado por esses mesmos progenitores. Criar um ser humano é uma tarefa conjunta, por isso é preciso uma aldeia. E se a aldeia não pode estar envolvida porque tem que produzir para ter sustento e cuidar de si, a aldeia considera que a responsabilidade recai única e exclusivamente sobre a mãe.


E endeusa a mãe.

E quando a mãe sofre, vive no limite do stress, irritabilidade e ansiedade romantiza esse sofrimento dela com “mãe é batalhadora”, “mãe é guerreira”, “mãe é sofredora”, “mãe é forte”.


Temos que pelo menos nos fazer responsáveis por mudar a mentalidade e a forma como criamos expectativas das mães para fazermos um mundo mais equilibrado, diminuindo a pressão as mães. É impossível uma mãe esgotada fazer o seu trabalho de maternidade bem e de forma satisfatória para a sua família. E se ela está esgotada, não está feliz, e isso se reflete nas relações que ela tem com os seus filhos e com o seu parceiro. Todos nós somos filhos ou maridos de alguém, isso também nos afecta.


Se retirarmos a pressão desnecessária, se nos comprometermos como sociedade a dar esse presente às mães ajudamos a que se sintam mais livres para errar, permitir aos seus errar, aprender com os erros, não ter que estar constantemente no melhor da sua performance e vigilância materna, e talvez assim poderão ter mais tempo para se dedicarem a serem felizes.


“Mãe feliz, bebé feliz” não é mentira!

Por mães felizes.


Sara

Photo credit: felutigifts.com.br

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