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O Percurso Vale Ouro

Estar presente no momento sempre me foi difícil.

As alturas em que estive presente, sempre disfrutei muito, e sempre encorajo as pessoas a estarem presentes no momento, dá significado à vida.

Mas desde que me lembro de mim como pessoa que a ansiedade anda comigo.




O que soa muito estranho, uma professora de yoga ter ansiedade, mas tem sim. Um professor de yoga pode ter ansiedade, medo, stress, pressão, inclusive depressão. Estamos sujeitos a tudo isso nós também, porque interagimos com o ambiente e pessoas que podem causar todas estas coisas.


É equivocado pensar que porque somos assíduos praticantes de yoga estamos completamente imunes a tudo isso. Tem quem até nos venha provocar de propósito para ver quanto da nossa paciência e tolerância é possível testar. Só é possível estarmos cem por cento imunes a tudo isso se nos isolarmos da sociedade, formos ser monges num mosteiro ou eremitas na natureza. E se calhar era o que muitos de nós gostávamos de fazer, porque é doloroso ter que constantemente reequilibrar num meio urbano.


A busca por equilíbrio constante, acaba por ser stressante porque existe também a pressão de manter a imagem “zen” vinte e quatro sobre vinte e quatro horas que as pessoas pensam que nunca desaparece, sempre disponível quando elas precisam, como se tomássemos todos os dias um comprimido para estar assim o dia todo e nada nos abalasse. Não é assim.


Gerir emoções e energias é trabalho, e trabalho árduo.

Vivendo no mesmo habitat, passamos exatamente pelas mesmas situações que todo mundo, só que em vez de nos deixarmos levar ou afetar por elas, estamos constantemente a acessar na nossa biblioteca mental de recursos para gerir stress, ansiedade, violência, insultos, abusos, sempre a fazer-nos lembrar de respirar, e de como respirar.


A dificuldade da maior parte das pessoas ao fazer yoga é a disciplina mental a longo prazo que o yoga exige. É um treino que dura uma vida pra dominar. Não é algo que se consegue em x espaço de tempo, como a maior parte das coisas que na nossa civilização está cronometrado para acontecer: em quatro anos terminas o curso, em x horas de treinamento estás formado, fazes o teste e passaste.


Não, disciplinar a mente é um trabalho constante para toda a vida, e precisa da paciência para durante uma vida não ver sempre os resultados de que se tem expectativa, mas sim aqueles que a realidade do disciplinar a mente vai trazer a cada um individualmente. O meu resultado nunca será igual ao resultado de outro praticante de yoga, e todos nós vamos ter muitos momentos de praticar e parecer que dominamos, até num certo momento abandonarmos tudo, ficarmos algum tempo sem praticar, para de novo voltar a praticar, quando nos damos conta que a prática nos está a fazer imensa falta à vida.


Quando finalmente chegamos ao resultado, vemos que não é um resultado. Porque mais lá à frente na vida, aparece outra situação em que a técnica de disciplina mental que foi usada e deu resultado antes, já não serve agora. Tanta coisa a vida nos atira inesperadamente, a tanto temos que reagir.


É a forma de reagir que dita o efeito em nós daquilo que a vida nos atirou.

No lado positivo, o estado zen em que é esperado que um professor de yoga esteja constantemente também não serve. Aprendi que o ser zen e cultivar a calma, tranquilidade e paz, de nada me serve quando oiço um kwassa kwassa.


Desculpem, mas porque é que eu me manteria em estado zen ouvindo kwassa kwassa? Porque é que eu não me entregaria ao ritmo contagiante da percussão, deixando que o meu sangue fervesse com a música e as minhas ancas se mexessem como sinto vontade de as mexer?


Deixar-me levar pela alegria e positividade da sonoridade e pela intensa vibração da dança, também é uma forma de meditar, e de activar a kundalini, sim. O estado de alegria e regozijo que nos trás o dançar, não é nada mais, nada menos do que samadhi: o objectivo de toda a imagem promocional de meditação, sentados de pernas cruzadas.


É um caminho diferente, mas é uma forma de meditação também. Tudo que existe na meditação em que estamos sentados e quietos existe no momento em que dançamos: não há pensamentos, a nossa respiração está automaticamente controlada, estamos no momento, e completamente entregues e concentrados na atividade que estamos a fazer.


É preciso entendermos que somos seres que não são estáticos, mas que oscilam entre momentos de alegria, dor, revolta, raiva, paixão, ternura, carinho, tranquilidade e calma. Temos emoções, sentimos. Estar neste mundo é honrar também a nossa qualidade humana, e a melhor forma de honrar a nossa experiência humana é sentir. Deixarmo-nos sentir os nossos sentimentos e não bloqueá-los (para poder passar a imagem de que estamos sempre calmos sem ser afetados por nada) é necessário para se aprender a ser humano e para amadurecer como ser humano. O amadurecimento do ser humano é o objetivo da alma.


Por isso não há como chegar a estados de graça espirituais sem honrar as qualidades e experiência humana e terrena, sem sentir.

Por isso até mesmo nós os yogis sentimos raiva, frustração, depressão, ansiedade, stress. Aprendemos técnicas para os gerir, mas precisamos como todos humanos de os sentir. Se não, não há como compreender a qualidade humana, a humanidade, não há como cultivar empatia e entender o ser humano ao nosso lado com quem interagimos.


O yoga é necessário na gestão do que sentimos, para que não nos afundemos naquilo que sentimos e percamos o foco da vida. Mas quando as técnicas para gerir o que sentimos não nos são suficientes, vamos sentir de forma arrebatadora, e a única coisa que podemos fazer é deixar-nos sentir. Deixar-nos passar por esse momento, com tudo o que ele tem, com tudo o que ele traz, com todas as suas fases.


Porque há uma lição a aprender dessar experiência.

No fim aprenderemos, mas o fim pode demorar anos a chegar. O fim pode chegar depois de até pensarmos que já tínhamos ultrapassado aquela experiência, mas afinal ela só ficou arquivada ali no nosso subconsciente a fazer-nos reagir às situações que são gatilhos para ela de forma automática e defensiva, sem saber porquê.


Aí vem a necessidade de mergulhar em nós mesmos e nos auto-avaliar.


São muitas estas situações, porque antes de sermos yogis, de começar a nossa caminhada pelo yoga - porque yoga é um caminho e filosofia de vida, e não um destino - são muitos os arquivos que já guardamos no nosso subconsciente com os quais temos que trabalhar e curar, tal como toda a gente no planeta.


Dessa forma, nesse contínuo aprendizado, sigo na busca por estar presente no momento. Por viver cada momento bom e mau, sem a ansiedade de que termine a dor ou se veja o resultado da dedicação.


É da caminhada que tiramos lições e histórias.

É do percurso que se fazem as memórias.

É das memórias que nos alimentamos quando o corpo já diz que é o fim.

São as memórias que a nossa alma leva para a próxima vida, por isso é o percurso que conta, que tem peso, que ensina, não a chegada.

Para se guardar bem o percurso é preciso senti-lo, saboreá-lo, absorvê-lo, valorizá-lo.


Chegar, é só chegar. É só o fim de um ciclo percorrido e o começo de outro percurso que fará outro ciclo. É só um ponto no caminho, só dura um momento, que também se saboreia, e se celebra.

Mas o percurso, vale ouro!


Sara


Photo credit: Jonathan Klok on Unsplash

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