O medo vai te bloquear
É para isso que ele serve. Te impedir de fazer algo que te ponha em risco.

Temos ideia de que não devemos ter medo ou de que ser corajoso significa não ter medo mas, na verdade, ter medo é necessário. Sermos bloqueados de ir fazer festinhas a um leão faminto pelos nossos instintos é necessário. Ninguém quer acabar na boca dele.
Há uns anos atrás fui ao Lubango. Tinha como principal objetivo ir a uma cachoeira que tinha visto nas fotos e vídeos maravilhosos do fotógrafo angolano Jessé Manuel. Enviei-lhe uma mensagem, pedi direções até lá e o Jessé teve a amabilidade de me pôr em contacto com uma maravilhosa moça para que me levasse lá. Avisou que o acesso à cachoeira não era fácil, era preciso descer a montanha e ela era bem íngreme. Até aí, tudo bem para mim. Se eles tinham chegado lá, eu também podia chegar, subir e descer montanhas está no meu currículo de diversões de adolescência.
De facto, descer a montanha foi pera doce, problema nenhum!
Chegada à cachoeira, veio do nada um medo que combinado com a água gelada da cachoeira por pouco me fazia bloquear e não disfrutar do que tinha ido lá fazer.
Cachoeiras são o elemento da minha mãe Oxum, era a primeira vez que eu entrava numa, levei mel para fazer-lhe uma oferta e queria passar tempo com ela, sabia que ela me iria das bons conselhos.
O primeiro medo foi por causa do lixo… Sempre deixamos lixo por onde passamos, infelizmente. Não conseguia ver aonde os meus pés estavam a pisar debaixo da água e isso preocupou-me. Havia garrafas e latas partidas e enferrujadas, eu não me queria cortar em nada daquilo nem apanhar tétano, apesar da vacina.
O segundo medo foi bem mitológico! Rios na nossa terra têm toda a espécie de histórias e mitos de desaparecimentos, e eu tenho um respeito enorme e medo de entrar neles de qualquer jeito só. Mesmo com o mar, peço sempre licença à entidade dali. Se sinto que posso entrar, entro, se não sinto não entro. Imaginei que em algum momento em que o rio fosse fundo o suficiente eu ia escorregar e bazar com a correnteza. Mas havia que atravessar a água para ir pra debaixo da cachoeira.
Pus os pés na água, dei os primeiros passos. A temperatura gelada da água fez disparar a intensidade dos meus batimentos cardíacos e eu conseguia sentir a força do meu coração, xeh deh medo, a bater no meu peito, subir pela minha garganta e fazer até o meu cérebro pulsar e ouvir cada batida.
Nesse momento ouvi o conselho de Oxum: “vai com o teu medo!”
Ah!! Parei, respirei fundo, olhei pra cachoeira e não me enchi de coragem. Continuei com o medo!
“Vai com o teu medo.” A moça que me tinha acompanhado estava tranquilamente sentada na beira do rio pronta para tirar fotos e eu a tentar não escorregar e desaparecer debaixo de água nem me cortar em lado nenhum. A meio do caminho havia umas pedras que me faziam ficar um bocado mais alto do que o fundo do rio, e chegar lá era a primeira meta. Nem era assim tão longe, mas o tal medo?!
Então, se fui lá para ouvir conselhos da mãe e o conselho foi “vai com o teu medo”, vou!
Fui.
Com o medo.
Cheguei às pedras, fiz uma pausa para descansar mais o coração que o corpo, nunca abri a boca sobre o quão aterrorizada estava. Quis tanto ir lá, incomodei duas pessoas para isso, agora ia mayar?! Respirei fundo e segui a segunda parte do caminho até à cachoeira. Quando cheguei foi um alívio, uma sensação de ser vencedora e ao mesmo tempo mais um bocado de medo, porque agora era água gelada no corpo todo o barulho e a força da água dão medo, não pela água “física” mas pela energia forte que o lugar emana, senti-me pequena e intimidada. Mas era muito maior a tentação de me meter debaixo da cachoeira e me meti debaixo da cachoeira gelada, e foi simplesmente o melhor da vida!
A sensação da água a bater com força na nossa cabeça esvazia-nos completamente os pensamentos, lava a mente, é impossível pensar… A temperatura gelada, faz-nos um desconforto, mas ao mesmo tempo manda arrepios por todo o corpo que nos fazem rir com o contraste de tenção muscular que o frio cria e a sensação de relaxamento que trás a massagem do cair da água sobre os ombros e as costas. Inunda-nos uma alegria de criança que imediatamente queremos dançar, pular e chapinhar na água.
Essa pequena caminhada até à cachoeira foi toda um ensinamento.
Não demorei nada, mas senti como se tivesse sido uma eternidade, e as emoções ao ir e ao voltar foram intensas, as dúvidas, as hesitações, os medos, os trezentos pensamentos que me vieram à cabeça tudo se dissipou quando cheguei ao meu objetivo e concretizei o plano que tinha traçado para essas férias no Lubango. Foi maravilhoso!
Custou, mas me teria custado muito mais se não o tivesse feito. Teria muitos mais “e se” na cabeça, mais medo ainda, mais hesitações, não teria aprendido nenhuma lição.
A lição de que o medo nos vai bloquear sim, mas também a de que podemos escolher ir com ele. Podemos parar e analisar a situação em que estamos, desmistificar as razões para o medo, deixar de o ter e seguir. Ou não deixar de o ter, mas pegar nele na mão e ir com ele.
Tenho a certeza de que deve haver algo na tua vida que queiras muito fazer: uma viagem, um negócio, uma mudança, uma conversa, um “impor respeito”, um dizer a verdade, um mostrar as emoções, um falar do coração, um falar em público, um procurar outro emprego, um dizer que não, um dizer chega, uma venda, uma compra, um procedimento, uma vontade de parar, de ser quem realmente és, de mudar…
Diz-me o que te vai custar mais para o resto da vida? Teres feito, tentado com as tuas 50% de chances de dar certo, ou teres ficado bloqueadx nas tuas 100% de chances de nada mudar e continuares na situação desconfortável porque acabaste fazendo do desconforto a tua zona de conforto?
Sabes e sentes que aí onde estás não está bom, não estás bem, mas ficas por estares bloqueadx pelo medo acabando os teus dias na terra sem estar a viver na máxima expressão das tuas capacidades, quando a tua vida podia ser exponencialmente melhor e mais satisfatória para ti. Quando podias estar a disfrutar de ser quem és completamente, disfrutar do processo de realizar os teus sonhos e vivê-los! De chegar ao teu objetivo! Para que é que serve a vida afinal, senão para isso?
Motivos para não avançares com o teu medo vão sempre existir, sejam eles quais forem. Mas é teu direito realizares os teus sonhos enquanto estás no mundo.
Desde esse conselho de mamã Oxum, tenho ido para onde quero ir com o meu medo mesmo. Ele é útil, e aliado à intuição trabalham muito bem nos momentos de tomar decisões.
Há situações que não valem a pena, há outras que por mais que não deem certo como nos nossos planos, ensinam-nos coisas. Essas valem a pena. Há situações que valem todas as penas! Dois terços das situações valem a pena, para além das 50% de chances de dar tudo certo, contas feitas: vai com o medo e vive!
De vez em quando me pergunto “se morresse amanhã, do que é que me arrependeria?” Se tiver alguma coisa para me arrepender, é exatamente nisso que vou trabalhar para concretizar. Porque quando sair do mundo quero sair completa, cheia e preenchida de tudo o que podia viver e vivi!
Sara