Juro que o meu sangue cheirava a rosas, mas os invejosos vão dizer que estou a inventar.

No primeiro dia deste ciclo decidi usar um coletor em vez dos pensos reutilizáveis. Os descartáveis, esses já não uso, nem lembro bem há quantos anos…
Mas lembro muito bem de fazer a transição dos pensos como quem faz a transição do cabelo desfrizado para o cabelo natural.
Primeiro passei dos pensos descartáveis convencionais para os descartáveis orgânicos. Eram mais caros, mas valia a pena experimentar a diferença que fazia não ter tantos químicos na lista de materiais com que o penso era feito. Notei que me sentia mais confortável em termos de contacto com a pele, menos irritação, menos abafado, e não notei nenhum cheiro mais desagradável no sangue sem todas as tecnologias de controlo de odor que os fabricantes de pensos descartáveis dizem que precisamos.
Avancei por mais ciclos com os orgânicos, senti-me bem e não quis voltar ao convencional.
Uns tantos ciclos depois decidi experimentar os pensos reutilizáveis, de pano orgânico, já que já estava no papel orgânico podia continuar na linha orgânica. A mudança surgiu por dois motivos: um seria mais rentável, pouparia mais dinheiro, e dois parava de poluir o planeta com tanto papel deitado ao lixo todos os ciclos.
Mudei e tive que encarar o sangue. Não era só tirar o penso, dobrar e deitar fora. Agora era mesmo lavar o penso e deixar o meu próprio sangue escorrer pelas minhas mãos.
Nas primeiras vezes, não vou negar, houve uma certa repulsa para o fazer. Não por ser sangue, mas por ser sangue vindo da vagina abaixo, lugar que sempre nos ensinaram ser sujo.
Observei o sangue diluído em água circular pelo lavatório e levei o penso ao nariz. Cheirei e o sangue não cheirava a nada podre… Sujo e podre cheira mal mesmo, e ali aquele sangue não cheirava mal, cheirava a sangue.
Me perguntei porquê a repulsa se o sangue era meu mesmo? Pensei que não fazia sentido.
Me perguntei porque é que me foi inculcado que a minha vulva e vagina eram um lugar sujo. Não me lembrava de as ter sujado como sujo o resto do meu corpo. Talvez seja porque é um lugar que produz secreções e calor e está sempre fechado, tapado, tem o potencial de desenvolver bactérias.
Bactérias tem sim e porque precisa delas para funcionar bem. O nosso corpo todo precisa de bactérias, o nosso intestino está tramadíssimo se fica sem as suas bactérias, e o mesmo acontece com a nossa vagina. Estão as bactérias para nós como nós para o planeta. Habitantes, só. Quando há excesso de população concentrada num só lugar, aí sim começam os problemas, mas a existência por si só não causa imundice, nem infeção, nem problema.
Mais uma vez, porque é que a minha vagina é um lugar sujo?
Não há resposta lógica, até porque ela tem um mecanismo de limpeza autónomo.
Eu só preciso de lavar a vulva como lavo todo o resto do corpo exterior. Porque é que nos foi ensinado que é um lugar sujo? Alguma trama intriguista.
Sacudi a cabeça, encarei o sangue, deixei de frescuras e lavei com gosto.
Depois desse dia só voltei a ter uma segunda iniciação com o sangue quando usei um copinho coletor pela primeira vez. Dessa vez não foi sangue diluído em água, foi sangue menstrual puro mesmo.
A primeira vez que se usa um copinho coletor é uma sangria mesmo, não há outra palavra. A falta de jeito para o por, acomodar e tirar causa uma sujeira e desconforto fenomenais em que temos que lidar com as nossas mãos manchadas de sangue fresco de menstruação, ou com vazamentos. Não soube lidar mesmo.
Todas as mensagens subliminares da expressão “mãos manchadas de sangue” vieram-me à cabeça, e o cenário foi do mais teatral que eu podia me proporcionar. Desde em que posição é melhor para o tirar, passando por se o tiro sentada na sanita ou agachada no chão, no chão pode manchar, na sanita a posição não é tão ideal, mas é mais seguro, até pôr os dedos dentro da vagina, procurar o tal coletor, que às vezes parece que desapareceu lá dentro, e o rabinho por onde se lhe puxa; puxar sem jeito, já ter sangue a escorrer, coletor ainda lá dentro, mãos manchadas de sangue, e ele sentir o percurso dele sair da vagina empurrando as paredes vaginais, dando a sensação que ele é muito grande para sair (mas entrou?!?), não é possível!
É todo um estardalhaço até apanhar o jeito ao tal coletor.
Não fui muito fã, mas o jeito foi apanhado.
Depois de termos as mãos manchadas de sangue e de cheirarmos esse sangue como todo bicho faz para analisar e identificar o objeto que está à sua frente, é que aprendemos a familiarizar-nos com o sangue, e mais uma vez vemos até que esse sangue não tem nada de mal. Não é derramado por violência nem maldade, mas é sim um sistema de limpeza de energias e tecidos orgânicos que nos permite a nós mulheres renovar-nos a cada ciclo.
E permite à natureza renovar-se também.
Anos depois quando neste ciclo tirei o coletor e senti o cheiro do primeiro sangue que desceu cheirou-me a flores. Flores mesmo da terra, do campo, não a perfume de flores. Havia cheiro de terra no sangue. Talvez terá sido um agradecimento da mãe natureza por depois de tantos meses sem plantar, no ciclo passado eu ter plantado a minha lua religiosamente todos os dias do ciclo. Mas cheirava mesmo a flores e senti-me amada e feliz. Porquê? Como? É daquelas conexões que só sentindo se pode perceber, não há palavras.
Fui preparar esse sangue para ser plantado de novo neste ciclo. Passei pelo quintal e sorri às plantas a quem dei o meu sangue no ciclo passado. Estavam maiores, mais bonitas, exuberantes.
Depois de nos limpar a nós, o nosso sangue é um maravilhoso e poderoso fertilizante para a terra. Isto experimentem por vocês mesmas se duvidam, e vejam as vossas plantas sorrir-vos e agradecer.
O ritual de plantar a lua conecta-nos com a terra dando-nos uma compreensão do ciclo da vida, um profundo agradecimento pela existência que há muito esquecemos de ter. O ciclo que tinha a potencialidade de gerar vida humana dentro de nós terminou, e saem de nós os seus vestígios materiais dele pelo sangue para que o nosso corpo comece um novo. Mas a vida e o seu ciclo não terminam por aí.
Dando esse sangue de volta à terra, que nos dá alimento para que o nosso corpo funcione bem, as plantas nascem, crescem, dão fruta com vitalidade e alegria. É como se déssemos à luz a essas plantas. É como se desse-mos à luz a essas frutas que um dia vamos comer, vão nos dar as vitaminas para o nosso corpo funcionar bem, do bom funcionamento dele mais um ciclo menstrual se cumpre, e lá vamos dar o nosso sangue de volta à terra.
De uma mãe para a outra, do nosso ventre para a criação, da criação para nós.
Sara
Photo Credit: Chanel Baran