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Ir Parir e Sair do Hospital de Parto Fresco e Violação Consumada (pt.1)

A troca de turno é sempre um momento de ansiedade na maternidade.

Se chegou uma parturiente e foi bem atendida pela primeira equipa, o medo é que a que venha vá trata-la de forma menos cuidadosa.





Quando falo de atender bem uma parturiente, falo de atender com humanidade antes de qualquer coisa. Para mim ninguém é bom profissional se não for primeiro um bom humano.

Falo de ter o cuidado de se lembrar que está a lidar com o outro ser humano, que só pelo simples facto de estar num hospital já está numa posição de vulnerabilidade. Tato, carinho, educação, compreensão e humanidade, são imprescindíveis para se respeitar a qualidade humana e o estado psicológico de qualquer pessoa em estado de vulnerabilidade.


Um paciente deve ser tratado dessa forma. Deve fazer parte do protocolo profissional de qualquer pessoa que trabalhe com seres humanos fragilizados ter isto como regra, e é.


Faz parte dos requisitos dos profissionais da saúde agir com humanidade e respeito à vida e dignidade humana. Mas é cada vez mais difícil que o façam.

Acompanhei um parto que passou por uma troca de turno. De uma médica humana, passamos a uma android. Mas acho que até os robots estão programados para pelo menos cumprimentarem e apresentarem as suas funções.


Quero mencionar o detalhe importantíssimo que, ao chegar à clínica, a parturiente foi alertada para o facto de os batimentos cardíacos do seu bebé tinham parado nessa manhã. Todos sabemos o que isso significa…

Mas mesmo que não fosse assim, estar em trabalho de parto já é motivo suficiente para se ter ainda maior cuidado no trato com essa mulher. Este era mais um agravante, mais um motivo para se ser ainda mais cuidadoso.


Sabem o que é chegar aos nove meses de gravidez, já sentir os primeiros sinais de parto e depois ouvir: “Não encontro os batimentos cardíacos do seu bebé… Sinto muito.”?


Antes dos médicos entrarem ao quarto dos pacientes são brifados sobre o estado do paciente. Esta nova médica sabia do que se passava com esta parturiente.


Entrou na sala sem cumprimentar e mandou todo mundo sair, sem olhar para a paciente. Eu doula saí também, mas não me afastei muito, fiquei à porta, ouvi gritos da minha cliente, estava a ser feito o “toque”.

O meu coração alarmou-se e fui ter com a médica do turno anterior que ainda não tinha saído, pedi que me apresentasse à nova médica e lhe explicasse a minha função lá. Ela assim o fez, de forma atenciosa. A médica nova sequer olhou para mim.


Não me vou alargar muito pelo resto do comportamento desta médica comigo durante o trabalho de parto, isto daria um livro. Sermos olhadas com desdém pelos médicos, ignoradas e às vezes maltratadas é coisa que aprendemos já no curso que vai acontecer. Somos preparadas para lidar com os egos dos médicos que se sentem ameaçados com a presença de doulas no seu território, pelo facto de trazerem um leque de outras opções e informação às parturientes e seus acompanhantes.


Isto faz com que o poder de controle e decisão sobre o parto não esteja só nas mãos dos médicos, e esteja partilhado com a parturiente e sua família.

A parturiente e seus acompanhantes passam a ter a capacidade de perguntar, argumentar e escolher outras opções para além da apresentada no momento pelo médico, não se deixam simplesmente levar por aquilo que dita o médico, especialmente quando é sem justificação coerente, ponderação e consentimento, nem pelo antigo adágio “o médico sabe sempre o que é melhor”. Convenhamos, muitos médicos têm cometido várias atrocidades, não fosse assim o conceito de violência obstétrica não estaria agora a ser tão debatido.


O que não me entra na cabeça é como é que você, ser humano e muitas vezes mulher também, acredita que pela sua função está autorizado a violar outra mulher? Em trabalho de parto ainda por cima!

É tudo uma questão de ego e poder.


“O termo abuso sexual é utilizado de forma ampla para categorizar atos de violação sexual em que não há consentimento da outra parte. Fazem parte desse tipo de violência qualquer prática com teor sexual que seja forçada (…) sexo oral, masturbação toques íntimos e a introdução de objetos, por exemplo, também se enquadram nessa categoria de violência sexual.” – Mundo Educação; artigo de Lorraine Vilela Campos

Vejamos o cenário de ontem: uma senhora com licença profissional para diagnosticar doenças, consultar doentes e administrar tratamentos, entra numa sala em que está uma mulher em trabalho de parto. Não se apresenta, não diz qual é a sua função naquela unidade hospitalar, manda sair as pessoas que constituem o suporte e apoio psicológico e emocional daquela mulher em trabalho de parto. Esta mulher é de forama coerciva deixada sozinha com uma desconhecida que usa o seu poder profissional para tal. Esta desconhecida, sem estabelecer laço de confiança nenhum com a mulher em trabalho de parto introduz os seus dedos dentro da vagina da parturiente de forma violenta e insensível, tudo em nome de um exame para diagnosticar o estado do colo do útero desta mulher, isto tudo sem o consentimento da parturiente.

Parecido com a definição de violação sexual acima?


Isto tem nome hoje em dia: violência obstétrica, considerada pela OMS como uma violação dos direitos humanos fundamentais.


A definição de violência obstétrica, de acordo com a OMS é: “abusos verbais, restringir a presença de acompanhante, procedimentos médicos não consentidos, violação de privacidade, recusa em administrar analgésicos, violência física, entre outros.”- Eledés- Instituto da Mulher Negra, artigo de Giovana Balogh


(continua no próximo domingo)


Sara


Créditos de Imagem: Noa Snir


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