Por volta de 120 anos atrás, na era industrial, Europa e América do Norte, mergulhadas na era industrial, viviam um cenário social bastante diferente daquele que conhecemos destes lugares que são agora o sonho de férias, ou destino de migração para muitos de nós.

Naquela época, as ruas eram sujas, lamacentas e cheias de dejetos de humanos e de fábricas. As pessoas viviam amontoadas umas em cima das outras, não havia condições sanitárias saudáveis. A maior parte da população vivia na pobreza e amontoada nas cidades industriais, sobrepopulando os seus bairros, que logicamente se localizavam perto das fábricas para que pudessem ter mais proximidade com os seus trabalhos, viviam em áreas com altos graus de poluição da água e do ar. Uma constante nuvem negra espessa cobria os céus dessas cidades, problemas de saúde e sérios problemas de desnutrição abundavam entre a população.
Nessa altura, e antes dela, as mulheres tinham os seus filhos em casa sozinhas ou com a assistência de parteiras.
Antes da era industrial, havia mais gente a viver do campo e no campo, sem estarem concentrados e amontoados em pequenas áreas, comendo melhor, e menos expostos a poluição e condições sanitárias precárias. Durante a era industrial em que se constatou um êxodo rural, deixou de haver trabalho no campo, as famílias mudaram-se para as cidades para procurar subsistência, a população aumentou e a sobrepopulação aliada à produção industrial trouxe os problemas do cenário que partilhei.
A partir daí, com condições de vida, sanitárias e nutrição precárias, os números de mortalidade infantil e materna começaram a subir, foi necessário encontrar uma solução para o problema. Uma das soluções para esse problema foi a hospitalização do parto.
Aos poucos de 1900 a 1930, as mulheres foram se direcionando aos hospitais cada vez mais, pois realmente era o lugar mais seguro e mais limpo para o nascimento das crianças. Muitas vidas de crianças e mulheres foram salvas a partir daí a e popularidade dos partos hospitalares cresceu ainda mais quando os hospitais passaram a oferecer a opção de partos sem dor às mulheres.
A mortalidade materna e infantil diminuiu bastante, até ao cenário que conhecemos hoje nos países desenvolvidos.
O único senão de toda esta história é que não nos apercebemos que não foi única e exclusivamente a hospitalização do parto que ajudou na diminuição da mortalidade materna e infantil.
Ir ter os bebés ao hospital só, não foi o que ajudou as sociedades dos países desenvolvidos a diminuir os índices de mortalidade materna e infantil.
Existe uma correlação entre as condições de vida dos seres humanos e a sua saúde, é isto que está em causa quando se fala em mortalidade materna e infantil. Não é o parir em casa ou parir no hospital. É o quão boas ou não são as nossas condições de vida para não contrairmos doenças durante o período gestacional que possam pôr em risco a vida da mãe e do bebé, ou no pós parto e primeiro ano de vida da criança. É no quão boas são as condições sanitárias, onde quer que estejamos hospital ou casa, e é no acesso que temos a boas práticas de assistência ao parto.
Todo um conjunto de medidas sociais aplicadas com vista a melhorar a qualidade de vida das populações foi o que ajudou a diminuir as taxas de mortalidade. Pura e simplesmente uma mulher saudável – estar saudável diz respeito a boa higiene, boa nutrição, ausência de patologias, ausência ou fraca presença de poluentes no seu meio ambiente - está em termos de saúde, apta para ter o seu bebé em casa. E é disso que precisamos: saúde.
A saúde não é garantida só no momento de ir dar à luz ao hospital.
Para diminuir os índices de mortalidade materna, infantil, e na verdade populacional, foram tomadas pelos (hoje) países desenvolvidos todas as medidas que os fazem ser os países exemplares que vemos agora.
Foram implementados programas de melhoria de condições habitacionais – a propagação de doenças infeciosas é maior e muito mais rápida quando as pessoas vivem amontoadas umas em cima das outras - ; foram implementadas medidas para a limpeza da poluição do ar – diminuindo em muito os problemas respiratórios e de intoxicação gasosa; medidas de controle e fiscalização dos dejetos industriais; medidas de limpeza e controle da qualidade do ar; medidas de controle ambiental e saneamento básico das cidades; programas de melhoria da alimentação das populações; programas de melhoria educacional e erradicação do analfabetismo, programas de melhor acompanhamento e monitoreio de doenças, maior acesso a cuidados médicos e quanto à saúde materna e infantil especificamente: acompanhamento e monitoreio pré e pós natal.
Todas estas medidas multidisciplinares e tomadas em conjunto foram o que ajudou a baixar as taxas de mortalidade materna e infantil dos países desenvolvidos.
Essas medidas, melhoraram as condições de vida das populações, no geral, e com isso melhorou também a saúde materna e infantil, que tinha piorado pelo crescimento urbano desenfreado estimulado pela produção industrial. São essas as medidas que fizeram com que estes países desenvolvidos passassem a ser o exemplo de organização social que nos leva muitas vezes a querer abandonar o nosso para irmos para lá: melhores condições de vida.
Saúde, boa nutrição e boas condições de vida, são então o que é necessário para um parto seguro para uma gestante de baixo risco. Não necessariamente um hospital na hora do parto.
Tanto assim é que nestes países, com a exceção dos Estados Unidos, mas Canadá, Nova Zelândia, nos países europeus desenvolvidos como o Reino Unido, Alemanha, Holanda, Finlândia (onde parteiras e partos na água são a norma e um dia de estadia no hospital custa por volta de 42 dólares), o parto domiciliar e o parto acompanhado por parteiras é encorajado pelos governos. Partos hospitalares, com acompanhamento obstétrico são reservados para gestantes com problemas de saúde e patologias que requeiram acompanhamento médico. Isto ajuda a desafogar os hospitais, não se verificam enchentes e os custos do orçamento do estado para saúde materna são enormemente diminuídos.
Apostar na melhoria das condições de vida da população, pode ser um esforço e investimento pesado, mas a longo prazo ajuda a governos e famílias enormemente.
No caso de Angola, temos todo este cenário de miséria, condições sanitárias e nutrição precárias.
Vemos o contraste nas zonas urbanas de pouca gente com capacidade para ter de forma privada essas boas condições e gente que vive na miséria que se vivia na América do Norte e Europa há 120 anos atrás.
Mas vemos também para lá do asfalto zonas rurais em que o acesso a assistência médica é tão difícil que as pessoas vivem por sua conta e como se vivia na Europa e América do Norte antes da era industrial: da terra, do campo. Têm saúde porque têm uma nutrição suficientemente equilibrada, fazem atividade física todos os dias, vivem cada uma no seu espaço, e não estão expostas a altos níveis de contaminação e poluição.
Aí o parto se faz em casa porque não há outro jeito. Mas ainda estas pessoas beneficiariam de um olhar mais atento do governo sobre elas, de educação, pois as suas vidas podem melhorar muito mais se houver atenção àquilo que são as necessidades que estas populações estão a passar. Acompanhamento pré e pós natal, por exemplo, ajudaria em muito a estas populações, identificando e cuidando antecipadamente problemas que possam por em risco a vida de mãe e crianças.
Em termos sociais, a verdade do parto hospitalar versus parto domiciliar é essa: não é só parir no hospital, é melhorar as condições de vida das populações.
E é por isso que nós, ainda que extremamente crentes e fiéis a partos hospitalares continuamos a ter uma alta taxa de mortalidade materna e infantil. As condições precárias de vida se refletem não só na gestante que vai à maternidade ter o seu bebé, mas nos profissionais que a recebem, que para sobreviver com salários atrasados ou que não chegam para viver um mês, precisam de trabalhar, em vários lugares, mais do que as suas capacidades físicas e mentais e em desgaste fazem atendimento médico, nas condições frustrantes de falta de meios médicos e medicamentosos.
É todo um ciclo vicioso que não nos permite sair do fundo do buraco e que só com esforços individuais nos é possível sobreviver.
Num país em que um governo não providencia boas condições de vida para a sua população é realmente cada um por si.
Por isso reclamamos tanto das condições em que somos atendidos em hospitais e clínicas, por isso morremos tanto por negligência e falta de condições em hospitais e clínicas, não há uma entidade superior a providenciar serviços públicos de qualidade para nós como há nos países desenvolvidos. Por isso é que é preciso cada um de nós individualmente ir mais a fundo e observar as verdadeiras causas da nossa situação de saúde materna institucional para tomarmos a melhor decisão de parto para nós.
Quando vamos ter os nossos filhos aos hospitais, o sucesso desse processo sempre depende de se conhecemos quem nos trate bem, de se damos gasosa, de se vamos comprar os materiais gastáveis; quando temos decidimos ter os nossos filhos em casa, o sucesso desse processo depende de se e quem contratamos para ser nossa parteira em casa; se temos a casa limpa e higienizada; se fizemos acompanhamento pré-natal para descartar qualquer possibilidade de doença ou complicação…
No fim e no fundo, tanto em casa, como no hospital, o sucesso do parto depende do nosso envolvimento e esforço individual.
Sara
Photo credit: Uma cidade industrial na Inglaterra, sec 19 - Blog Wordpress: History at Normandele