O que eu sei de verdade é que nenhuma mulher se vai esquecer de como foi tratada durante o seu parto. E por mais que achemos que saibamos o que é melhor para ela, é bem antes do parto que ela deve ser informada sobre todas as suas opções. A escolha do tipo de parto deve ser dela, e para quem a esteja a acompanhar respeitar a escolha consciente e informada dela e fazer o melhor apoia-la é o melhor presente que se lhe pode dar.

Estamos sempre à procura da melhor forma de fazer as coisas, mas tratamo-nos a nós seres humanos como parte de uma fábrica de produção onde se escolhe o melhor método de fabricação de algo e padroniza-se esse método. Toda a produção é feita daquela forma e resulta igual.
O método artesanal de produzir resulta sempre em peças exclusivas. Cada uma bem diferente da outra, por as mãos do artesão um dia estarem mais macias, noutro mais trémulas, porque o forno aqueceu a x graus num dia e noutro a outra temperatura, porque o barro veio com mais ferro dessa vez e está mais avermelhado, porque a temperatura ambiente onde se esfriou as peças é mais fria porque é cacimbo e a peça resultou numa textura ou formato ligeiramente diferente. Todas essas variantes influenciam no resultado final da peça.
Com a industrialização o ideal foi “ser tudo igual”, e caímos nessa tentação até para nós humanos, que sabemos que somos todos diferentes.
Não há uma impressão digital igual à outra, nem nos gémeos, então porque é que nos queremos tratar todos de forma igual?
No parto também a mentalidade industrial fez-nos criar padrões, criar o melhor modelo perfeito para o parto, e enfiamos todas as mulheres dentro desse modelo acreditando que estão elas e os seus bebés mais seguros e mais saudáveis se assim o fizermos. Foi na revolução industrial que se padronizaram os partos hospitalares como os melhores. Na altura para uma certa civilização, poderia ter sido isso o melhor sim, mas isto é no "geral" (escrevi sobre isso no texto “Como Vivemos Afeta Como Parimos”), não tendo um olhar individual e holístico para cada mulher.
Mas a verdade é que nem toda a mulher se revê num parto hospitalar. E por mais que muitas parteiras e doulas sejam carregadoras do estandarte do parto na água, do parto em casa, do parto no meio da natureza, a verdade é que nem toda a mulher se revê nesses tipos de parto. O facto é que nem toda a mulher se revê num parto vaginal até, apesar de ser essa a via que a natureza nos deu. Há mulheres para quem a cesariana é a melhor opção e é preciso saber respeitar isso.
A militância pelo que quer que seja envolve paixão, e a paixão é uma emoção. Ela é um condutor e impulsionador muito útil e importante para a militância, mas muitas vezes nos cega – quem nunca?! Basta só nos apaixonarmos por alguém, já veremos!
E a militância pelo parto natural não é diferente. Muitas vezes nos pode cegar no nosso acreditar que o parto natural não medicado, em casa, na água, no mar com os golfinhos é o melhor para todas as mulheres, mas aí ainda estamos a agir com a mentalidade da industrialização em que padronizamos algo para seres que não são padronizáveis. Só estamos a ir na direção oposta, mas na mesma a querer que toda a mulher experiencie o parto dentro de um padrão que pode não ser o seu.
Em vez disso é bom ouvirmo-la, e ouvir o seu parceiro. Qual é o parto que ela prefere? Qual é o parto que eles preferem?
Eles estão de acordo com as suas preferências, ouviram-se um ao outro abertamente o suficiente para compreenderem as motivações e vulnerabilidades de cada um nesse tema? Sabem quais as necessidades de privacidade, intimidade e segurança, o que é importante para um e outro nesse aspeto?
E as suas escolhas podem mudar ao longo da gravidez. Podemos começar com a vontade de ter um parto hospitalar e depois mudar para um em casa, ou vice-versa.
Podemos ter uma mãe físicamente perfeitamente capaz de ter um parto vaginal, gravidez saudável, mas por ela ter em algum momento sofrido uma violação pode ser que psicologicamente ela não tolere mais ninguém a não ser o seu parceiro, com quem tem uma relação de confiança maior do que com a equipa médica, a manusear ou mesmo observar a sua zona genital. Este pode ser um gatilho muito forte para uma mulher. E o mais saudável para a saúde mental desta mulher poderia uma cesariana sim. Este é um exemplo bastante forte, mas podem existir outros que para alguns de nós não são tão significativos, mas para quem o vive sim.
Se essa mãe pura e simplesmente quer uma cesariana porque não se revê num parto vaginal, também isto é válido! É o motivo e o direto dela. Tudo o que é preciso é que cada mãe, cada casal esteja bem informado e consciente das suas escolhas, sabia bem não só os prós e contras de cada escolha para mãe e bebé, mas também de como é que se sente a mãe em relação a cada escolha, como vai evoluindo a gravidez, o que está em jogo no seu físico e no seu psicológico. Onde e como a mãe se sente mais segura.
Não é só por preferência que se faz a escolha, mas é por uma observação e análise consciente de todos os aspetos que têm um papel importante no parto: o ambiente do parto, a saúde da mãe, do bebé da própria gravidez, as pessoas presentes no parto, os desejos da mãe para o parto, o estado de espírito da mãe para o parto, a história clínica da mãe, o historial psicológico da mãe, os princípios que a mãe e pai em concordância querem trazer para o parto. Tudo isto é importante, cada uma dessas frentes joga um papel no parto e pode ser pensado, debatido, consensuado e respeitado.
Acima de tudo: respeitado!
É respeitando as motivações de uns e outros que temos a capacidade de estar presentes no momento, dando o apoio necessário a cada mãe, segundo aquilo que ela quer e precisa. Não impondo a nossa própria vontade, porque nós acreditamos que coisa tal é o melhor para toda a mãe, quando é mesmo só o melhor para nós.
Se essa mulher e as suas escolhas forem respeitadas e ela tratada com carinho durante o seu momento de parto, quer ele corra bem, quer ele corra mal, esse carinho e respeito vão ser o que lhe vai dar o suporte e força necessários para ela se manter mentalmente saudável e se lembrar desse parto com a dignidade que toda a mulher merece. Disso nenhuma mulher se esquece.
Sara
Photo Credit: Via @sacredbirthdoula