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“Anger gets shit done”- Mas não cria humanos.

Mr. Nancy, um personagem de “American Gods”, representa Anasi o Deus aranha ganense da sabedoria, contação de histórias, força, transfiguração, sobrevivência, criação e destruição.

Anansi acudindo à chamada de homens negros, chorando em profundo pesar num navio negreiro levando-os acorrentaods para as Américas, lhes conta como será o seu futuro do outro lado do oceano, a menos que estes homens se revoltem contra os holandeses que os transportam. Intencionalmente incendiando-os de raiva, Anansi explica-lhes que raiva é um bom sentimento, que a “raiva faz as coisas acontecerem”.

Os homens então se revoltam, matam os holandeses e incendeiam o barco que os afunda no mar, onde morrem todos, mas não seguem, nem levam a sua descendência para a escravidão, discriminação, violência, humilhação e maltrato que viveriam por séculos no seu porto de chegada.




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Uma boa quantidade de nós mães e pais de hoje estamos a trabalhar em educação positiva para os nossos filhos. Estamos a reeducar-nos para não lhes bater, para conversar mais com eles, para ter estratégias de educação que nos permitam criar os nossos filhos de uma maneira mais positiva comparando àquela a que fomos criados.


Temos recorrido a workshops, cursos de educação positiva, métodos Motessori, Waldhorf, o que seja possível, e toda essa motivação e esforço são muito legítimos e, como dizemos nós angolanos “de louvar”. Entretanto nessa caminhada é importante que cuidemos de nós.


No caminho da educação ou criação positiva dos nossos filhos, é importante não deixarmos no alheio os nossos próprios traumas de infância e adolescência. São esses mesmos traumas que nos fazem repetir os padrões que estamos a tentar evitar com este novo tipo de educação e que dificultam tanto a implementação dos novos hábitos de educação positiva.


Se sentimos que temos que passar um testemunho mais positivo para os nossos filhos, o trabalho se completa cuidando de nós.


Quando visitamos as memórias da nossa infância, adolescência, e mesmo idade adulta que na convivência com os nossos pais nos marcaram negativamente, vemos que não só estamos propensos repetir esses mesmos padrões na forma como criamos os nossos filhos, mas que eles também nos podem trazer bastantes bloqueios na nossa própria vida adulta. Na forma como nos relacionamos connosco mesmos, com os outros e com o mundo. Nas reacções emocionais, padrões inconscientes e crenças que estabelecemos sobre nós mesmos, os outros e o mundo.


As crenças que estabelecemos podem ser construtoras, e isso é bom para nós. Mas podem também ser limitantes e estar a impedir-nos de amar, de conectar connosco mesmos ou com outros, de disfrutar da vida, trabalhando demasiado e nunca descansando. De acreditar que não somos merecedores, de não chegar à realização pessoal, ou profissional, de não conseguir realização financeira.


De muitos lugares escondidos do nosso subconsciente vêm os nossos bloqueios e eles podem estar lá nas conclusões que tiramos sobre nós e sobre a vida na nossa infância e adolescência, em momentos emocionalmente impactantes que aparentemente não têm ligação nenhuma com os bloqueios que vivemos hoje.


O padrão da raiva vem sendo repetido de geração em geração até hoje e se não tivermos o cuidado de o curar vamos seguir perpetuando-o. A escravidão e a colonização trouxeram-nos um profundo sentimento de tristeza e pesar que retirou ao nosso povo muita capacidade de amar, de ser terno, e capacitou-os para transformar a sua profunda tristeza em raiva. Mas isso não aconteceu de forma aleatória: essa raiva era a necessidade para a sobrevivência.


A tristeza, põe-nos deprimidos, pesados, profundamente sem acção, conformados muitas vezes. Para sair do estado de subjugação em que estávamos era preciso acção. Transformar a tristeza em raiva é um acto natural ao ser humano, as crianças fazem-no sempre. Uma birra é uma demonstração raivosa da tristeza que a criança sente pelo motivo que tenha. Ao crescer vamos percebendo que fazer birras fica cada vez menos necessário ao criarmos mecanismos mais maduros para conseguirmos o que queremos ou ganhamos inteligência emocional para compreender os nãos da vida.


A escravidão foi uma situação em que a sobrevivência estava ameaçada e era preciso um mecanismo de defesa. Esse mecanismo de defesa foi a transformação da tristeza em raiva. E esse mecanismo defesa esteve activo por séculos, por gerações e gerações e gerações, passando de pais para filhos, sendo desde muito cedo nutrido e aprendido por crianças que se tornaram adultos que só souberam sobreviver existindo dentro dessa raiva. As guerras de independência e civis que ser seguiram continuaram perpetuando este modo de sobrevivência.


Monument of Salves, Stone Town Tanzania, Pablo Velasquez



Reconhecer que a agressão, a violência nas suas várias formas que vivemos na nossa infância vem dessa raiva herdada é importante. É importante perceber que os nossos pais são seres humanos e fizeram aquilo que eles sabiam fazer com os recursos que tinha na sua época. O mesmo que nós estamos a fazer: o que sabemos fazer com os recursos que temos na nossa época. Mas com a diferença de que os recursos dispostos na nossa época são os recursos da cura.


Estamos numa era em que é imprescindível fazermos o caminho da cura para aprendermos a amar de novo. Temos que dar amor às nossas crianças e amor a nós mesmos, para que elas aprendam a amar-se a si mesmas pelo exemplo que damos, e que isso seja instintivo e nato nelas, para que naturalmente amem também aos seus filhos.


Nós somos todos amor na verdade.

Precisamos fazer o caminho de cura e pô-lo em prática. Aplicar a compaixão aos momentos e aos pais que nos causaram dor, traumas e memórias que se transformaram em crenças limitantes. Aplicar essa compaixão na prática, não à espera da resposta que isso possa suscitar nos nossos pais, não à espera do abraço, do beijo, do carinho que eles nos possam vir a dar, quando lhes reconhecemos como seres humanos e com compaixão nos abrimos a lhes dar amor e a perdoar, não esperando que eles nos peçam perdão pelo que nos fizeram. Mas buscando a mudança em nós mesmos, enquanto o comportamento deles ainda é o mesmo.



iStock by Getty Images


A verdadeira cura está no não nos sentirmos afectados quando o outro ainda faz acções que nos poderiam causar dano. A verdadeira cura está no transcender esse sentimento negativo que sentimos quando nos causam dano ao entender porque é que aquela pessoa causou o dano. Isto não significa pôr de lado o sentimetno neativo e substituí-lo com algo positivo, muito menos dar o outro lado da face. Mas sim que ao dar-nos conta de qual é o verdadeiro problema que fez com que a situação ocorresse, somos libertos do sentimento de que o que se cometeu foi propositadamente contra nós.


O importante é que esse comportamento que nos causou dano num outro momento, agora já não tenha poder sobre nós. Que não nos cause mais ansiedade, raiva, angústia, tristeza, desespero…

Que nos dêmos conta que ao curar-nos somos agora nós os adultos responsáveis por nós mesmos, inclusive a nível emocional, não são mais os nossos pais. Esse poder agora é nosso!

Nós não precisamos ser ouvidos por eles, não precisamos ser valorizados, não precisamos ser respeitados, não precisamos sequer do seu amor. Nós estamos capacitados e empoderados para dar-nos a nós mesmos tudo isso. E se recebermos deles, é uma bênção. Mas não sofreremos por não receber.

Porque se os nossos pais estão num estado em que não nos podem dar essas coisas, nós precisamos parar de lutar contra esse facto e aceitá-lo. Não podemos ficar a vida toda a esperar que nos dêm o que tão desesperadamente queremos receber deles – e pelo vínculo que temos é legítimo que assim o queiramos. Mas não podemos esperar ou lutar para o ter porque eles precisam de cura para poder dar, e enquanto não se curam nós vamos ficar sem.


A cura é individual

Nós precisamos é de nos curar a nós mesmos para vivermos melhor connoscos mesmos e com eles, e dar-lhes a eles o espaço e tempo para a cura deles que poderá vir ou não.


Da mesma forma que nós precisamos fazer o caminho da cura, eles também precisam. Cada cura leva o seu tempo e pode ser que a deles já não chegue nesta vida. Entretanto o vínculo familiar continua perpétuamente e é importante que esse vínculo esteja saudável, então se algum de nós se deu conta de que a cura precisa de ser feita, que a faça em si mesmo, e veja os frutos da sua cura reverberarem para a sua descendência e ascendência.

Para nós esse é um dever que temos connosco mesmos e com a geração que estamos a parir.


Sara



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